terça-feira, 30 de setembro de 2008

PARTÍCULA DE DEUS


O

O homem não vai encontrar a “seria possível. O númpartícula de Deus”. E se Higgs ou Hawking vão ver suas teorias e críticas confirmadas ou não pelo acelerador de partículas LHCm isso já não é mais importante – não para a filosofia, ou parte importante desta. Pois seja qual for o resultado de tudo que envolve o LHC, o fato central é que o homem conseguiu dar de cara com Deus a partir do que está acontecendo na Suíça no CERN.

Para filósofos da ciência importa, sim, o que se poderá falar de metodologia de pesquisa e de cosmologia a partir do funcionamento e dos resultados do LHC. Para filósofos da religião e teólogos o LHC talvez interesse para que se possa arrumar argumentos que envolvem teses milenares. Todavia, para filósofos como eu e muitos outros, nós, os pragmatistas rortianos e davidsonianos, o que há de mais importante nesse assunto não é isso. O fato fantástico é que o homem se deparou diretamente com Deus na Suíça, e agora sabe bem qual é o seu rosto. Caso ainda não saiba, precisa saber.

O rosto de Deus que emergiu no experimento da Suiça não está marcado no Santo Sudário. Muito menos está em um plano que nos transcende. E não pertence a altar de nenhuma Igreja, nem mesmo à igreja da ciência. Pois Deus se mostrou no que ele realmente é. Na verdade, o homem não descobriu Deus com esse experimento do LHC, o homem fabricou Deus. Todos sabem quem é Deus agora. Ele é a capacidade de união e organização racional do homem de um modo que nunca imaginamos antes que

ero de pessoas, de computadores, de capacidades racionais, de disposições de coordenação e, enfim, de mobilização de países e de dinheiro para que se pudesse construir e fazer o LHC funcionar é algo nunca visto antes. Aliás, nem mesmo imaginado há menos de duas décadas. O experimento poderia ser imaginável, mas não a organização para realizá-lo.

Que o homem poderia conseguiu reunir muitas pessoas para, sob o chicote, fazer pirâmides, nós já sabíamos. Que o homem poderia reunir equipes de cérebros para chegar à Lua, também já sabíamos. Que o homem, para não perder a liberdade, poderia fazer o esforço que fez ao gerar o Dia D e, assim, colocar fim ao nazismo, também vimos. Foram feitos grandiosos. Mas nenhum desses feitos demandou a capacidade de organização e cooperação que se precisou para o LHC, colocando cérebros, dinheiro, capacidades racionais e disposições, tudo isso em um volume inaudito, para funcionar segundo a precisão de um relógio, e isso por um tempo longo - pois os experimento apenas começou. E nunca se fez tamanho trabalho de cooperação tendo no horizonte um objetivo puramente teórico. O homem precisa perceber que, enquanto o LHC estiver funcionando, ele terá consubstanciado Deus por meio da organização cooperativa que demonstra.

Daqui para frente, qualquer dificuldade que o homem vier a ter na Terra, ainda que ele erre mil vezes para solucioná-la, ele saberá que pode solucioná-la. Pois nenhuma dificuldade pode ser maior que essa capacidade de organização e cooperação que o homem mostrou possuir com tudo que envolveu e virá a envolver o LHC lá na Suíça.

Não importa aqui se tudo isso foi ou não gerado para, em uma segunda instância, termos um novo desenvolvimento industrial. Não importa aqui se quem investiu vai querer retorno. Isso é o natural de nossa vida. O que importa é que durante 14 anos o homem sonhou que poderia criar uma rede de organização fantástica, com todos os elos concatenados, para investigar o mundo microfísico, ou seja, para simplesmente satisfazer uma curiosidade intelectual. E o mais fantástico ainda: essa coordenação de esforços se concretizou e deu certo. Não houve nada no mundo até hoje, em condições de liberdade, que tenha sido similar a tal tipo de esforço coordenativo, e com um belo objetivo, se podemos dizer isso e, assim, nos regozijar por sermos ainda iluministas. Deus é essa capacidade de cooperação do homem. O homem fez Deus neste início de setembro de 2008. Não podemos nos esquecer disso.

O que importa, portanto, é isto: todas as vezes que o homem tiver algum problema que possa ferir a humanidade em qualquer de seus elos mais fracos, estará no horizonte escrito o seguinte: isto não precisava ocorrer, e se ocorreu, pode ter seu sofrimento bem diminuído, basta chamar Deus, ou seja, basta evocar nossa capacidade de cooperação de modo racional e em favor de razão.

Fome, guerras e arrumações políticas que mais desarrumam continuarão a ser produzidas. Mas elas deverão trazer mais e mais indignação a partir de agora, pois sabemos que nossa capacidade de trabalhar conjuntamente em um projeto que depende de resultados precisos, com decisões coordenadas por muita gente mesmo, é algo que temos condição de fazer. Sempre poderemos dizer: ah, estamos passando por tal dificuldade por uma razão simples, para esse problema não quisemos botar Deus para funcionar, não quisemos incomodá-lo.

Paulo Ghiraldelli Jr. Filósofo, www.filosofia.pro.br

homem não vai encontrar a “


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Aristóteles no planalto

o
O que pensaria o célebre filósofo grego da Antigüidade diante do sistema político do Brasil contemporâneo? Reconheceria nele as idéias igualitárias da democracia ateniense?
por Edison Nunes
Aristóteles, óleo sobre tela, Francesco Hayes, 1811, Galeria da Academia, Veneza
Aristóteles: o governo atual seria uma mistura de democracia e oligarquia
Não sei se foi por antiga magia ou tecnologia secreta que Aristóteles veio a dar em Brasília. Queria conhecer nossa Constituição, dizendo ser hábito seu empedernido. Encontrei-o por azar; expliquei lhe o básico, alguma bibliografia. E recolhi alguns de seus comentários.

Para ele o nosso sistema político não poderia ser chamado de “democracia” e, de fato, não o é, tecnicamente falando. A palavra designa somente regimes nos quais o povo detém o poder soberano; exercendo-o diretamente em assembléia, sem que tal poder conheça qualquer limite ou contrapeso institucional. Significa literalmente o “poder popular” e sua realização pressupõe a maior igualdade possível de todos perante a lei (isonomia) e quanto ao direito de participar da decisões públicas mediante a fala (isegoria). Tal igualdade fundamental torna impossível a representação política já que esta pressupõe a separação prática e formal entre representantes e representados, entre dirigentes e dirigidos. Assim, qualquer processo de escolha de magistrados, como votação ou concurso de provas e títulos, não é democrática pois toma os indivíduos pelas suas diferenças, ranqueando-os em melhores e piores. Por isso mesmo, a eleição popular de um presidente ou deputado; a de um juiz concursado, configurar-se-iam aristocráticas (de aristói – os melhores). O único método realmente democrático de seleção, quando não se pode decidir diretamente em assembléia, é o sorteio. Só aí não há discriminação de mérito, preservando-se a igualdade.
1 2 »
Edison Nunes é professor do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP.

INTRODUÇÃO A FILOSOFIA

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O ÓDIO CONTRA O ÍNDIO


A indisposição das pessoas em relação às mulheres pode acabar completamente um dia. A mulher é mulher. O preconceito contra o negro pode diminuir. O negro é negro. Mulheres e negros tem feito um esforço grande no sentido de, sendo mulheres e negros, serem aceitos no grupo dos “humanos”. Em algumas democracias ocidentais esses dois grupos, nos últimos anos, têm conseguido forjar equipes de pressão e influenciar política e juridicamente as sociedades em que vivem, a fim de serem tratados de um modo mais igualitário.

Esses dois grupos contam com uma vantagem sobre outro grupo que também luta por direitos, o dos índios. Em cada país em que vivem, mulheres e negros tem conseguido se mostrar antes oriundos deste país que propriamente mulheres e negros. Assim, os negros americanos conseguiram se mostrar antes americanos que negros, o mesmo ocorrendo com as mulheres. No Brasil e em outros países isso também tem ocorrido. Isso dá vitórias. Mas este não é o caso do índio. Por mais paradoxal que seja ele não tem conseguido se mostrar brasileiro!

Se você conversar com uma pessoa qualquer na rua, nas grandes capitais, verá facilmente o quanto é difícil para as pessoas entenderem que o índio é antes brasileiro que índio. Diferentemente do negro e da mulher, ele mantém um sotaque, um modo de vestir e um aspecto físico que nós, os que se acham mais descendentes do colonizador ou do imigrante europeu (ou asiático), não conseguimos compreender. A mulher colocou um terninho. O negro colocou gravata. Ambos falam a língua que nós todos falamos. Mas o índio parece insistir em ser diferente. Como ele não seria? E alguns conservadores acreditam que, por conta da “proteção do Estado”, ele tem privilégios. Então, tudo se torna mais difícil. Tudo é mais complicado para o índio, pois ele tem um estigma que a mulher e negro não possuem: ele é tomado como ridículo.

A mulher era vista como burra. E se era inteligente, era puta. O negro era visto como indolente, e se começava a querer fazer as coisas, era tomado como malandro ou ladrão. Isso tudo ainda está presente na nossa sociedade, pois a nossa maneira de conversar não se alterou de modo suficiente para darmos passos para fora desse círculo cruel. Mas, pior do que burro, puta, vadio ou malandro é o estigma de ridículo. O índio é ridículo – é assim que ele é assumido como índio por uma boa parte de nossa sociedade. E caso ele tente não ser ridículo, ele é tomado como falso índio. Ele tem de andar de tanga e cocar na rua, e jamais saber falar o português. Caso ele vista uma calça jeans e tente falar o português, então já fica um pouco mais difícil de ser chamado de ridículo; e se ele não pode mais ser ridículo, eis que se torna vítima do ódio. Todo aquele ódio que há pouco tempo a direita política tinha para com as mulheres inteligentes e os negros orgulhosos, agora se volta contra o índio.

Alguns imaginam que isso é devido ao fato do índio estar lutando por terras que outros querem. Trata-se de uma luta por riqueza. Há sim esse componente. Mas a luta mais profunda ainda é a luta da visão do colonizador, a visão do capitão do mato, contra a visão do colonizado, contra a visão do indígena, os primeiros brasileiros.

Raposa Serra Dourada é um caso. Talvez uma pessoa como Denis Rosenfield, que ilegitimamente usa o título de filósofo – para azar nosso –, realmente fale o que fala apenas para defender a riqueza dos poderosos. Afinal, os intelectuais da academia, não raro, sobrevivem nela emprestando sua pena aos grupos de poder na situação ou de poder na oposição. Isso vai passar. Um dia Rosenfield se aposentará e arrastará chinelos de modo solitário pela sua casa, e nenhum dos fazendeiros que hoje ele apóia se lembrará dele. Outro ocupará a cátedra seqüestrada por herdeiros de Mussolini. O problema não é esse. O problema é que quando ele se aposentar, ainda os vocabulários do colonizador e do capitão do mato poderão ser tudo que conhecemos para falar do índio.

O que isso significa em termos históricos e humanos? Só uma coisa: a vitória da crueldade. A vitória da má vontade. A permanência da vida não generosa.

Uma coisa que precisamos aprender sobre o convívio humano é que, não raro, as questões nossas não poderiam se deixar contaminar tanto pela disputa política e ideológica quanto se contaminam. Nós, filósofos – os que não abdicaram da filosofia –, deveríamos perceber que o ódio da direita política contra minorias e, no caso, contra índios, não é um ódio da direita política enquanto facção política. É um ódio que extrapola isso. É um ódio que pode estar no coração de pessoas que não se identificam com a direita política. A direita política, como o caso de Denis Rosenfield, faz o papel de trombone – faz barulho. Mas o problema não é o barulho. O problema, no caso, é o silêncio.

Os silenciosos é que são os mandatários do mal. Pois os silenciosos são os que falam no cotidiano, ou seja, os que sussurram. Os que sussurram são os que levantam a voz em filas públicas. Sabe aquele velhinho aposentado que está marginalizado, e que na fila do banco brada contra toda política generosa e, então, aproveita para dizer que “índio não existe, que vão ganhar terra do governo que é maior do que um país” etc. Sabe esse tipo? Ele é o Rosenfield fora da universidade. Ele não leu os livros que o Rosenfield leu sobre Descartes. Mas eles, apesar de tudo, pensam de modo igual. Eles sentem de maneira igual. Eles empurram outros para a má vontade, para a política sem generosidade e, pior, eles fecham junto deles um anel, o anel que engloba também o jovem fascista, todo aquele que não consegue perceber que é arauto da crueldade.

O jovem rico que atira uma garrafa do seu conversível em um travesti na rua. O jovem pobre que se junta em bando para bater e até matar o outro que “é do bando de lá”. O jovem de classe média que fez medicina, mas que atende primeiro os brancos na fila. O jovem pobre que consome droga e que ataca a mãe desesperada que quer vê-lo fora daquele caminho. O jovem rico que molesta a empregada doméstica. O jovem pobre que bate na irmã porque ela engravidou. O jovem rico que ateia fogo no índio e diz que “pensava que era mendigo”. Eles são os que Denis Rosenfield alimenta. Por isso, quando Denis estiver de chinelos, aposentado em sua casa, ele não receberá a visita de ninguém da UDR, que ele defendeu. Pois os homens da UDR já terão arrumado outro para fazer vingar o ódio. E não irão dar bola para quem “só criou confusão”.

Felizmente, esses homens não vão dizer que eles contaram com um filósofo. Eles não vão se lembrar disso. Eles ainda manterão a idéia de que o filósofo autêntico não estaria do lado deles. E nisso, terão feito o único juízo certo de suas vidas.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo